“Eles, porém, gritando bem alto, taparam os ouvidos e, unânimes, avançaram contra ele. E, expulsando-o da cidade, o apedrejaram.” Atos 7, 57-58a
O que o texto de hoje descreve é a reação dos anciãos, dos escribas e do povo ao ouvirem o discurso de Estevão, que tinha sido acusado falsamente de falar contra o lugar santo (templo) e contra a lei (At.6,12-13).
Para entender o que aconteceu para que a situação chegasse a esse ponto, é preciso voltar no começo do capítulo 6º de Atos. Os primeiros apóstolos, responsáveis por ministrar o ensino, se viram diante de uma realidade prática que estava prejudicando parte dos seguidores de Jesus na distribuição diária de provisões.
Foram escolhidos para administrar essa situação, sete pessoas de boa reputação e cheias do Espírito Santo e de sabedoria (At.6,3). Não eram, portanto, pessoas desqualificadas ou irresponsáveis. E Estevão era uma dessas sete pessoas.
Por sua sabedoria, ao argumentar sobre as coisas de Deus, acabava derrotando seus interlocutores. Alguns desses opositores subornaram pessoas para dizer que Estevão blasfemava contra Moisés e contra Deus (At.6,11). Levado diante do Sinédrio, que era o grupo de líderes que decidia tudo o que era importante em termos religiosos e políticos, ele fez um discurso que denunciava a rejeição de Jesus por seus acusadores.
Chama a atenção a atitude daquelas pessoas. Fazem algo que tem sido bem presente em nossa realidade atual. A atitude é muito semelhante àquela de alunos de quinta série quando são contrariados. Gritam alto, tapam os ouvidos, falam ao mesmo tempo para representar que não estão escutando o que se está falando!
A recente polarização de discursos promovida nos últimos anos no Brasil, em que cada pessoa precisa ser a favor ou contra em algum assunto, em que cada um tem de ser de um lado ou de outro, tem criado pessoas incapazes de ouvir. Todos adotam suas próprias verdades, ainda que elas sejam mentiras (e estão aí as fake news para mostrar que a mentira nunca teve tanta aceitação…), e não há mais capacidade de ouvir.
Quando se busca algum diálogo, com o objetivo de alcançar algum consenso, a atitude mais comum é a repetição do que o nosso texto apresenta: uso de gritaria, às vezes simbólica, como o uso de maiúsculas nas redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, e o ato de tapar o ouvido por meio do questionamento, não do que se está sendo argumentado, mas do interlocutor. É o chamado argumentum ad hominem, que ocorre quando uma pessoa responde a um argumento com críticas negativas ao seu autor e não ao conteúdo.
O que fazer? Seria possível evitar esse tipo de situação? Deveríamos nos abster de usar argumentos? Me arrisco a dizer que, como Estevão, devemos marcar posição ao lado da verdade, dirigidos pelo Espírito Santo. A verdade, mais cedo ou mais tarde, acaba prevalecendo e a mentira é desmascarada. Foi assim com Estevão; é assim nos nossos dias!
Para pensar: “A verdade às vezes dói, mas é porque você constrói um mundo só de sonhos e de medo” Sílvio César.